
Conheci Beléto quando ele tinha 17 aninhos. Era um garoto lindo, de cabelos loiros e grandes olhos, sempre bem abertos, cheios de curiosidade, que o irmão mais velho, Álvaro, trouxe para estagiar lá na agência. Só bebia guaraná... Ria bem alto, a sua voz grossa irradiando alegria.
De lá pra cá ele cresceu, aprendeu a beber cerveja, perdeu alguns cabelos, ganhou esposa e filha. Virou ilustrador, artista gráfico, designer. Um profissional tão bom que eu, descendo do meu pedestal de veterana escolada, premiada, devidamente elogiada e mimada, tive um dia que admitir: aquele garoto era um diretor de arte melhor do que eu.
Trabalhamos juntos por tantos anos, que nem me lembro mais da época que ele não estava lá, ao meu lado, trampando até tarde, contando piadas, ouvindo o bom e velho rock – embora gostasse, como ele mesmo dizia, de todo tipo de música.
Ele esteve comigo no meu primeiro livro, com os seus grandes olhos admirados, dizendo “Que legal, Sueli! Você é feraaaa!”, com um entusiasmo que só ele sabia transmitir. Empenhou-se em fazer a capa, pesquisando a fonte, procurando uma renda vitoriana para servir de fundo, e inaugurando a série dos meus livros de capa vermelha.
Mas um dia eu fui embora, Beléto também, da agência que nos criou. E embora não nos falássemos mais com tanta constância, era bom saber que ele estava por aí, espalhando classe, ousadia e bom-humor nos trabalhos muitas vezes sem graça de propaganda.
Quando soube que eu estava terminando “Kaori”, ele me disse com a sua voz grossa: “E a capa, não rola?” E, claro, a capa só poderia ser dele. Como seriam todas as capas que ele quisesse criar no futuro.
Hoje, ao chegar em casa, depois de viajar sete horas do Rio para São Paulo, fiquei sabendo que Beléto foi embora. Um ataque cardíaco fulminante o levou esta manhã.
Obrigada, Beléto. Pela amizade, pelos momentos alegres, pela dureza de algumas noites e finais de semana de trabalho que você me ajudou a suportar nos velhos e bons tempos. Pela sua arte, que irradia beleza na capa de “Kaori” – e que é um dos principais responsáveis pelo sucesso do livro.
Neste momento, peço a todos os meus amigos, mesmo os que não tiveram o privilégio de conhecer este garoto – ele, sim, uma verdadeira fera – uma prece, um pensamento de bondade, um sorriso de carinho voltado para ele.
Tenho certeza que Beléto, lá de onde está, saberá que estamos torcendo por ele. Pela sua felicidade. Pela sua alegria. Pela sua paz.