
Imagem:
k.lango.blog.uol.com.brE, para dar um gostinho do que vem por aí, segue em primeira mão um trecho do meu novo livro. Divirtam-se e continuem torcendo pela titia Giulia...
***
"KAORI - PERFUME DE VAMPIRA"
Giulia Moon - 2009
Cap. II. - O Temeroso Encontro com a Mulher-Corva (trecho)"(...) Num dos aposentos do Kim-Dama-Ya, Missora olhava com cobiça para a menina sentada à sua frente. Ela era ainda mais bonita de perto. Um rosto de criança, a boca pequena e carnuda, os cabelos brilhantes e o corpo esguio. E as mãos! Mãos abençoadas pelos deuses... Pequenas e delicadas como uma pintura. Esta garota não era uma roceira qualquer. Era uma fina boneca, digna dos clientes mais exigentes. A sua iniciação como oiran* seria tardia, pois a maioria das cortesãs iniciava o aprendizado com cinco anos. Mas a mama-san estava convicta de que valia a pena possuir a jovem filha de Gombei.
Kaori examinava sutilmente cada detalhe da madama do Kim-Dama-Ya. Ali estava uma mulher muito bela, mas que falava alto com a voz estridente. Palavras ocas. Mentiras. Subterfúgios. Uma fachada barulhenta que ocultava intenções escusas. Uma corva agourenta e traiçoeira. Entendia as razões que fizeram seu pai se indispor com ela. Mas não pretendia se esquecer das suas próprias razões, que a levaram até ali, arriscando tudo numa jogada decisiva. Curvou-se numa profunda reverência, tocando a testa no tatami**, e disse:
– Meus respeitos, Missora-sama***.
A mama-san gargalhou, deliciada com a demonstração de humildade. E, abanando-se com o leque negro, disse:
– Ora, ora, minha pequena... É com grande surpresa que a recebo em minha casa, pois seu pai, Gombei, não me tem em alta conta. Diga logo o que quer, pois estou curiosa.
– É sobre meu pai mesmo que vim lhe falar, senhora. Estou aqui para oferecer-lhe as nossas sinceras desculpas pelo mal-entendido que nos colocou em posição embaraçosa. Asseguro-lhe que nem meu pai, nem eu, tivemos a intenção de ofendê-la.
Missora perscrutou o rosto impassível de Kaori. A fedelha parecia mais astuta do que o pai obtuso e ignorante. A mama-san respondeu no mesmo tom cortês:
– Agradeço a atenção, pequena. Mas eu nada tenho contra você ou seu pai. Quem deve se desculpar sou eu, pois penso que fui um pouco grosseira com Gombei-san na nossa última conversa...
Kaori fitou os olhos negros de Missora. Será que tudo ia acabar bem, afinal? Seria tão bom! No entanto, percebia nas palavras da mama-san um tom sutil de maldade. A corva tramava algo, com certeza. Precisava manter-se atenta.
– Obrigada, Missora-sama, pela gentileza e benevolência. Agora, parto tranquila, graças às suas palavras.
– Ah, mas já vai anoitecer, menina Kaori. É proibido transitar pelas ruas a esta hora, são ordens do nosso grande senhor xógum. Assim como eu lhe estendi a mão, esquecendo as nossas desavenças, espero que aceite a minha hospitalidade por esta noite. Isso me alegraria muito.
– Obrigada, senhora...
Não havia outra saída, a não ser concordar com a víbora. Mas, de uma forma ou de outra, sob este verniz de civilidade, Kaori lutaria em melhores condições do que numa confrontação direta. Com sorte, pensava poder dobrar a mama-san e salvar seu pai e a si mesma. Fez mais algumas reverências, abaixando a sua cabeça até o tatami em sinal de respeito, e retirou-se, fechando o shoji**** atrás de si."
*Oiran – prostitutas de luxo do período Edo (Tokugawa). Praticavam as artes de dança, música, poesia e caligrafia
**Tatami – esteira de palha entrelaçada que reveste o assoalho da casa japonesa.
***Sama – modo mais formal e respeitoso de “san”, usado para se dirigir a pessoas de altíssima posição.
****Shoji – porta corrediça com os caixilhos forrados de papel.